Ao longo da última semana, autoridades locais na Roménia alertaram que `drones` russos usados para atacar o porto fluvial ucraniano de Izmail teriam atingido solo romeno, logo da NATO, o que não se confirmou, mas ilustrou o risco das acções militares em curso levarem a uma escalada ainda maior do conflito em curso na Ucrânia há quase 18 meses. Eis alguns pontos essenciais sobre a situação de elevada tensão na zona.
A importância dos cereais da Ucrânia
A Ucrânia e a Rússia são dois dos principais produtores de cereais do mundo e são os maiores exportadores no mercado de produtos agrícolas como o trigo, milho, sementes e óleo de girassol, cevada, entre outros.
De acordo com a ONU, dependem dos cereais exportados pela Ucrânia cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo e a interrupção ou o abrandamento deste fluxo acarreta consequências catastróficas em países, como os de África, onde estes cereais são a base da alimentação e, em muitos casos, a mais acessível.
O fim da Iniciativa dos Cereais do Mar Negro
No dia 17 de julho, o Kremlin anunciou a suspensão unilateral do julho de 2022 sob a alçada da Organização das Nações Unidas (ONU) e com mediação da Turquia para permitir a passagem dos cereais provenientes da Ucrânia através do Mar Negro.
O acordo que possibilitou a criação de corredores para transportar cereais ucranianos enquanto a Rússia continua a invasão foi rasgado depois de Moscovo alegar incumprimento das exigências que tinha feito para assegurar as suas exportações agrícolas.
A Presidência russa (Kremlin) advogou que as exportações de cereais e fertilizantes russos estavam em causa e que assim que estivesse resolvido o impasse a Rússia regressaria “imediatamente à implementação” do acordo. Uma semana depois, considerou que “é impossível” voltar ao acordo, alegando, novamente, falta de condições.
As águas separam a NATO da Rússia
Nem 24 horas depois da suspensão do acordo, os primeiros bombardeamentos atingiram Odessa, uma cidade portuária fulcral para a exportação dos cereais, que se intensificaram na cadência e severidade com o passar das semanas. Já chegaram ao Danúbio, o rio que é utilizado para transportar os cereais até às cidades portuárias, para que daí possam seguir para outros países, como a Turquia.
As águas do Mar Negro são divididas por seis países: Rússia, Ucrânia, Geórgia, Roménia, Bulgária e Turquia. Estes últimos três são Estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o que faz com que esta região seja especialmente sensível.
Um erro militar de Moscovo – por exemplo, um míssil atingir o território de um destes três países – poderia ser considerado um ataque a um país da NATO e levar a uma escalada sem precedentes do conflito que começou no final de fevereiro de 2022.
Putin entre a conquista de território e a reorganização do mercado
O Presidente russo, Vladimir Putin, reuniu-se há pouco mais de uma semana num fórum com líderes de vários países africanos, directamente afectados pela suspensão do acordo, que fez com que menos quantidades de cereais cheguem aos destinos e levou ao aumento de preços no mercado global.
No encontro, Putin assumiu-se como o novo exportador de cereais em substituição da Ucrânia, decisão que foi amplamente criticada pela comunidade internacional, com suspeitas de que o Kremlin estivesse a negociar também cereais ucranianos cultivados no território ocupado.
A UE chegou no início desta semana a pedir ao G20 para pressionar a Rússia a voltar ao acordo, dramatizando que cada dia que passa nestas circunstâncias é mais um dia rumo à catástrofe alimentar.
Em simultâneo, os bombardeamentos em Odessa e no território ucraniano banhado pelo Mar Negro poderão ter como objectivo impedir uma contra-ofensiva ucraniana para recuperar a Crimeia e diminuir a possibilidade de ataques com `drones` contra o território russo — algo que as Forças Armadas da Ucrânia estão a fazer com maior regularidade. no de oficiais russos para invadir a Moldova.
NATO atenta, mas sem acções concretas planeadas
Duas semanas depois da reunião inaugural, o Conselho NATO-Ucrânia voltou a reunir-se, no dia 26 de julho, a pedido da Ucrânia, com a situação no Mar Negro na agenda.
Os 31 países que compõem a Aliança Atlântica e o país invadido reforçaram a condenação à suspensão do acordo e aos bombardeamentos a Odessa, Mykolaiv e outras cidades portuárias.
Um ataque com `drones` a Reni, perto da fronteira com a Roménia preocupou especialmente a aliança político-militar, a par da travessia de embarcações militares russas na zona económica exclusiva da Bulgária.
As decisões de Moscovo “criaram riscos de possíveis erros de cálculo e de uma escalada, assim como sérios impedimentos à liberdade de navegação”, referiram no comunicado produzido no final do encontro em Bruxelas.
Contudo, apesar dos alertas reforçados, a NATO não anunciou medidas concretas que poderiam ser tomadas ou já estariam em vigor para assegurar a integridade territorial dos seus Estados-membros banhados pelo Mar Negro e evitar uma escalada, limitando-se a apoiar os esforços turcos e das Nações Unidas para um regresso ao acordo.
A Lusa questionou a NATO sobre discussões posteriores que ocorreram e eventuais decisões, mas a aliança escusou-se a dar mais detalhes.
Lusa, 08/05/2023