Assinado há 3 anos ainda não foi implementado acordo cooperação fiscal que permite inspecções simultâneas

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Angola e Portugal assinaram há três anos um acordo de parcerias entre as administrações tributárias, que permite acções de controlo em conjunto para inspeccionar pessoas e empresas que têm relações económicas relevantes nos dois países, mas até agora não houve controlos simultâneos.

As administrações fiscais dos dois países ainda não realizaram acções de controlo em conjunto para inspeccionar pessoas e empresas que têm relações económicas relevantes nos dois países, embora esteja em vigor, desde Fevereiro de 2019, um dos dois acordos de cooperação fiscal celebrados entre os dois países.

Em Portugal, há cerca de quatro dezenas de cidadãos angolanos com fortunas — com um nível de rendimentos superior a 750 mil euros ou um património superior a cinco milhões de euros (ou antes com manifestações de fortuna dessa dimensão ou simplesmente com uma “relação jurídica ou económica” com aqueles patamares patrimoniais), noticiou na semana passada, o jornal português Público.

Segundo o fisco português, a lista dos 1602 contribuintes singulares acompanhados pela unidade dos grandes contribuintes (a UGC) inclui “43 cidadãos que têm como naturalidade a República de Angola, dos quais 40 têm nacionalidade portuguesa”, avança o jornal.

Lisboa e Luanda já cooperam a nível tributário, embora a intensidade ainda seja baixa. A Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa (AT) portuguesa deu formação em Lisboa a técnicos da Administração Geral Tributária angolana (AGT) em 2018; na mesma altura, ajudou a implementar a reforma do IVA angolano; e, de forma pontual, pede informações específicas ao fisco angolano para as utilizar nas suas inspecções. Mas as duas administrações ainda não exploraram todas as possibilidades de cooperação trazidas pelos dois acordos fiscais que o primeiro-ministro, António Costa, foi celebrar a Luanda, a 18 de Setembro de 2018, com o presidente angolano, João Lourenço.

Nessa data, foram assinados dois documentos: uma convenção destinada a eliminar casos de dupla tributação (em vigor desde 22 de Agosto de 2019) e um acordo que regula a assistência entre as administrações tributárias, relevante para o combate à fraude e à evasão fiscais (em vigor desde 20 de Fevereiro de 2019).

Foi neste último instrumento que ficou prevista a possibilidade de as duas autoridades realizarem “controlos fiscais simultâneos”. É uma forma de cooperação em que, por impulso de uma das administrações, as duas estabelecem uma parceria inspectiva a um ou a mais contribuintes considerados importantes para os dois Estados (por exemplo, grupos empresariais com actividade em Portugal e em Angola, contribuintes singulares residentes em Angola com rendimentos e investimentos empresariais em Portugal ou vice-versa, um contribuinte português que realiza uma operação que envolve várias jurisdições em que uma delas é Angola).

À luz do acordo, as duas autoridades consultam-se para “definir os casos que devem ser objecto” de um controlo conjunto, fixam os “procedimentos a adoptar” e, a partir daí, cada uma “decide se pretende ou não participar” numa determinada acção. Cada autoridade actua no seu país, acompanhando de forma simultânea “a situação tributária de uma ou mais pessoas” nas quais Portugal e Angola “tenham um interesse comum ou complementar”. E, a partir desse trabalho, podem partilhar qualquer informação “previsivelmente relevante para a administração ou execução da legislação interna” da outra parte, relativamente aos impostos abrangidos pelo acordo, como o IRS e o IRC.

Em resposta a perguntas do Público, a AT portuguesa confirmou que, nestes três primeiros temas, “não houve ainda recurso à utilização” dos controlos fiscais simultâneos.

Também não se realizaram controlos fiscais no estrangeiro, outra modalidade de cooperação prevista do acordo. Este é um passo mais à frente, em que os inspectores tributários de Angola podem deslocar-se a Portugal ou uma equipa portuguesa viajar até Angola para fazer uma inspecção específica pilotada pelos serviços locais.

A AT portuguesa não especificou se estas colaborações não existiram porque Portugal não tomou a iniciativa de as pedir ou se, tendo-o feito, as acções não se concretizaram por não terem sido aceites pela administração angolana.

O Público perguntou ao Ministério das Finanças de Angola, por e-mail, por que razão as duas formas de cooperação não foram accionadas pelas duas partes e se Angola admite recorrer a esse tipo de trabalho conjunto, mas não obteve resposta.

Intercâmbio escasso

Ainda de acordo com o Público, o que já passou do papel à prática foi outro tipo de cooperação previsto no acordo, a troca de informação.

Ainda assim, o intercâmbio de dados entre a AT e a AGT ainda é escasso, como mostram os últimos três relatórios de combate à fraude e evasão fiscais divulgados pelo Governo português e citados pelo jornal.

Em 2019, recorda, Portugal fez um pedido de informação à administração angolana; no mesmo ano, não enviou para Luanda, nem dali recebeu, registos de informação de forma espontânea (documentação que é enviada quando uma administração tributária considera que um determinado dado é relevante para outro Estado). O mesmo se passou em 2020 e 2021: em cada ano, a AT só fez um pedido de informação específico e não enviou nem recebeu nenhum registo espontâneo.

Além da fraca troca de informações com Portugal, Angola também não o faz com a generalidade dos outros países a nível mundial, pois ainda não aderiu aos mecanismos internacionais de intercâmbio de informação automática para fins fiscais (ficheiros de dados que permitem a um Estado saber se um cidadão ou uma empresa do seu território tem contas bancárias fora, nas jurisdições que participam nessa troca automática).

Angola continua a ser um parceiro económico importante para Portugal (foi o nono destino das exportações de bens em 2021), o que torna essas operações comerciais relevantes para controlo tributário e aduaneiro, em particular as de maior dimensão.

Além dos contribuintes singulares, o serviço que faz o controlo tributário dos grandes contribuintes também fiscaliza as maiores empresas, como grandes grupos económicos, sociedades dominadas, bancos, seguradoras, fundos de investimento, sociedades gestoras de património ou sociedades gestoras de participações sociais.

Questionado pelo Público se entre as 3321 entidades colectivas seguidas pela UGC estão identificadas aquelas que têm relações económicas relevantes com Angola e se existe algum acompanhamento particular dessas entidades, com objectivos de prevenção de crimes fiscais e de lavagem de dinheiro, a AT não o especificou, respondendo que “uma parte significativa daquelas entidades desenvolve negócios em mercados muito diversificados a nível mundial” e que as “eventuais operações suspeitas identificadas” nas inspecções são tratadas “no âmbito das medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, em articulação com as demais entidades com atribuições nesse domínio”.

A partir das revelações do Luanda Leaks, que trouxeram a público informações sobre o império empresarial de Isabel dos Santos e de Sindika Dokolo (falecido em Outubro de 2020), o fisco diz ter feito uma análise das informações públicas para identificar os contribuintes residentes fiscais em Portugal e averiguar as “eventuais situações passíveis de configurar irregularidades tributárias”, mas, diz, “a esmagadora maioria” dos visados “correspondia a não residentes em Portugal”.

O mais recente relatório de combate à fraude, relativo às actividades desenvolvidas em 2021, divulgado no fim de Junho, não faz referência a acções do Luanda Leaks. Em 2020, os inquéritos de crimes fiscais abertos após as revelações motivaram 45 buscas e levaram as autoridades judiciais a bloquear contas bancárias com mais de 300 milhões de euros, refere o relatório relativo a esse ano.

13/07/2022