É possível renegociar o contrato do Corredor do Lobito?

Imagem: DR

Quando a palavra de ordem a nível mundial é a transição energética, Angola emerge com um trunfo na mão que vai permitir uma transição da indústria automóvel com maior fôlego: o acesso mais fácil e eficaz as fontes de matérias-primas.

Estamos a falar do cobre extraído da vizinha Zâmbia e República Democrática do Congo (RDC), essenciais para o fabrico de carros elétricos, um setor dominado por dois gigantes mundiais e rivais: a China e os EUA.

Com o Corredor do Lobito, haverá um encurtamento de rotas vantajoso para os EUA, lembra o economista Nataniel Fernandes: “Dada a geografia de Angola e do Corredor do Lobito, eles podem ter um acesso muito mais rápido a esses minerais e fazer evoluir essa indústria dos carros elétricos na própria América e não dependerem tanto, porque eles dependiam, de certa forma, da China, que é um dos grandes produtores desses mesmos carros”.

O economista sublinha que os norte-americanos “têm agora uma nova fonte mais eficiente. Isso para a América é muito bom, mas para a China é mau”. Esse é um “golpe” que não terá sido bem recebido por Pequim, que além de ter investido na reconstrução da linha férrea que integra o Corredor do Lobito no pós-guerra civil em Angola, também tinha os seus projetos mercantilistas assentes no Corredor do Lobito.

Reedição da “rota da seda” inviabilizada

O académico Paulo Inglês fala das ambições de rotas interligadas, afirmando que “a China queria fazer a rota da seda, que liga o Oriente ao Ocidente, que liga o Índico ao Atlântico”.

“O Corredor do Lobito tem o caminho de ferro que vai para a Zâmbia e tem ramificações para o Zimbabué, África do Sul e Moçambique. Assim não precisa dar a volta toda”, explica.

No Corredor do Lobito está previsto um investimento de mais de 500 milhões de dólares durante 30 anos de concessão ao consórcio Lobito Atlantic Railway (LAR), desde 2022. Para além dos EUA, o projeto conta com o envolvimento da União Europeia. O objetivo, dizem, é melhorar infraestruturas críticas que servem os seus interesses. Além da relevância económica, Angola passou a ser também um dos principais palcos da disputa geopolítica entre o Ocidente e a China em África.

É um revés para Pequim, considera o economista Nataniel Fernandes: “A China sai a perder, de certa forma. Existe um caminho de ferro no sentido contrário, em direção ao Índico, mas é muito importante para os EUA o caminho de ferro em direção ao Atlântico. É muito mais próximo dos EUA, muito mais eficiente e uma via rápida de exportação desses minerais”.

Que ganhos para os angolanos?

Fora o protagonismo que Angola ganha numa disputa entre gigantes, há queixas internas de que o Corredor do Lobito traz ganhos marginais para a população angolana. A OMUNGA, uma ONG sediada no Lobito, fala de fraco envolvimento dos cidadãos na idealização dos projetos.

“Fala-se de números exorbitantes e dizem que vai gerar muitos empregos. Hhá muitas expetativas em torno do projeto. Mas na verdade, na prática, nada se vê, nada de concreto sobre o que se está a fazer no corredor”, diz João Malavindele, diretor da OMUNGA.

Nesse contexto, Nataniel Fernandes, por exemplo, defende acordos futuros mais vantajosos. Mas os acordos prejudiciais em vigor podem ser renegociados se a sociedade civil ou setor privado, por exemplo, estiverem interessados. Na década passada, por exemplo, a sociedade civil moçambicana entrou numa batalha sem igual pela renegociação do contrato da Mozal, um megaprojeto de alumínio.

Renegociação do contrato é possível?

Terá Angola uma sociedade civil pujante capaz de o fazer? O economista opina: “Eu não diria que já estamos tão evoluídos no sentido de termos um grupo de pressão grande que leve a mudança”.

Porém, alerta: “É importante que, cada vez mais, ganhemos a consciência de que os megaprojetos precisam trazer vantagens para o nosso país e para o continente. Temos de passar a pensar nos projetos de alto investimento”.

Sobre uma possível renegociação do contrato, a OMUNGA diz que ainda está a analisar as tendências e no momento certo irá se pronunciar sobre o assunto. Contudo, está ciente de que a sociedade civil precisa já de fazer um estudo aprofundado sobre a exploração do corredor, assim como dos projetos em carteira.

Malavindele garante que a sociedade civil está atenta, “de modo a termos uma visão muito mais efetiva sobre o corredor e propor medidas alternativas que permitam eventualmente uma renegociação dos contratos de exploração do Corredor do Lobito para que possamos todos ser parte do processo, o que não acontece até ao momento, e começa a ser bastante preocupante para os cidadãos angolanos.”

DW, 19/03/2024