Realizador luso-angolano vence prémios Europa Cinemas e Júri Jovem, em Locarno

Imagem: DR

O filme “Nação Valente”, do realizador luso-angolano Carlos Conceição, foi distinguido no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, com os prémios do Júri Jovem e Europa Cinemas, de acordo com o anúncio dos respetivos júris.

Para o realizador este prémio representa “a garantia de [o filme] ganhar um percurso comercial”, em sala, e de poder aceder à programação de mais festivais, nomeadamente nos Estados Unidos, tendo em conta críticas tão positivas como a da Variety.

A revista norte-americana considerou “Nação Valente” (“Tommy Guns”, na versão inglesa) um filme “notável”, “formalmente e estruturalmente audacioso”, “uma lição de História globalmente aplicável”.

“Nação Valente”, segunda longa-metragem do realizador luso-angolano Carlos Conceição, reflecte sobre o fim do colonialismo português e os traumas do pós-guerra. Foi selecionado para a competição oficial da 75.ª edição do Festival de Locarno, candidatando-se assim também a prémios dos júris independentes.

O prémio Europa Cinemas Label abre-lhe as portas da rede, que se traduz em “3.059 salas, de 1.217 cinemas, em 739 cidades de 42 países”, onde a exibição da produção europeia é privilegiada.

A atribuição do prémio foi decidida por um júri de exibidores, este ano composto pela portuguesa Marta Fernandes, da Midas Filmes, Jean-François Lamarche, do Canadá, Víctor Paz, de Espanha, e Katarzyna Pryc, da Polónia.

“Nação Valente” foi igualmente distinguido com um dos prémios Júri Jovem, que também contempla curtas-metragens, no âmbito da iniciativa Cinema e Juventude, do cantão suíço-italiano de Ticino.

A distribuição do filme ainda não está garantida, mas a estreia deverá acontecer num próximo festival português de cinema, como disse, no final do 75º Festival de Locarno, Carlos Conceição à Lusa.

Na sequência da atribuição dos prémios e da reação da crítica, a decisão será tomada com a sua produtora: “A Terratreme, a quem devo o filme”, disse.

A história de “Nação Valente” passa-se em dois momentos temporais diferentes, já no final da guerra colonial, cruzando duas realidades – a de grupos independentistas, que reclamam os seus territórios, e a de militares portugueses, ancorados ainda nos ideais nacionalistas de defesa da Pátria.

“Interessou-me sempre, de um ponto de vista cinematográfico, uma história que se passasse num tempo de guerra e num contexto de uma guerra que nós associamos à história recente de Portugal”, explicou o realizador.

“Gosto de pensar que este filme não é tanto sobre a Guerra Colonial quanto é sobre ideias velhas, esses muros que ainda não conseguimos transpor. Nós, as pessoas. Considero que os transponho diariamente e acho que toda a gente deve fazer esse esforço de transpor essas ideias antigas, e ultrapassar os preconceitos e as limitações que certos conservadorismos implicam”, afirmou.

Ao receber o prémio, foi esta ideia que Carlos Conceição sublinhou, condenando o ataque, na sexta-feira passada, ao escritor britânico Salman Rushdie, como exemplo de um mundo de violência, que tem de acabar.

Carlos Conceição nasceu em Angola, em 1979, filho de três gerações de angolanos. O realizador tem nacionalidade angolana e portuguesa, e já tinha abordado a relação com Angola e África em “Serpentário” (2019), a sua primeira longa-metragem.

“Há uma tendência para parar de mostrar o racismo, por se achar que a representação do racismo caiu numa espécie de círculo vicioso de representação por ‘cliché’, quando na verdade não se pode nunca deixar de falar de racismo. O trabalho não está acabado. […] É preciso mostrar, acusar, evidenciar, discutir, dissecar e, provavelmente, se for através da repetição, que seja”, defendeu o cineasta.

A revista Variety, num filme onde a cinematografia (de Vasco Viana) é também elogiada, destaca o modo como Conceição demonstra como “a mentalidade do domínio colonial não acaba com a entrega do poder”, nem a concessão de autonomia “acaba com a necessidade de rebelião” dos oprimidos.

“O filme, perturbador e sombrio, acaba por dar uma lição de História globalmente aplicável, sem descuidar os contornos morais e históricos da dívida de Portugal para com África. As emoções e ideias que correm através de ‘Tommy Guns’ não poderiam ser mais adequadamente inquietas”, conclui a revista.

“Nação Valente” é uma coprodução entre Portugal, Angola e França, e conta com actores como João Arrais, Anabela Moreira, Gustavo Sumpta e Leonor Silveira.

O cinema de Carlos Conceição tem tido presença regular em festivais, como as curtas-metragens “Boa Noite Cinderela” e “Coelho Mau”, exibidas em Cannes, “Serpentário”, estreada em Berlim, e “Um Fio de Baba Escarlate”, premiada em Sevilha.

16/08/2022