Próximo desafio digital nos Seguros: Normalizar formatos de dados

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Há muitos anos que defendo e promovo a normalização de formatos de dados no sector segurador, tendo colaborado como convidado em alguns grupos de trabalho do sector sobre este tema. Depois de alguns anos de dormência, este tema parece estar de volta novamente à agenda dos principais actores do mercado, e por isso, deixo algumas das ideias que entendo sustentam esta necessidade urgente de se avançar com a normalização de formatos de dados no sector segurador.

Se olharmos para esta última década, a tecnologia tem avançado de forma lenta mas segura. À medida que a digitalização e a transformação digital foram ganhando terreno, todos os processos tiveram de se adaptar às novas necessidades que surgiram e, automaticamente, todos os meios que podiam ser considerados analógicos foram de forma natural desaparecendo progressivamente.

Os diversos sectores, e não apenas o sector dos seguros, têm visto a sua forma de operar internamente, bem como o próprio formato do relacionamento entre empresas e clientes numa crescente e continuada revolução tecnológica. Tanto pela necessidade de adaptação às inovações que surgiram para se manterem competitivas, como pelo facto de estas inovações oferecerem uma resposta eficaz aos problemas que começavam a aparecer. Num mundo analógico, cada parte tem a liberdade de escolher o seu modus operandi, desde que os objectivos pretendidos sejam alcançados. No entanto, à medida que nos vamos conectando uns com os outros, surge a necessidade de usarmos uma linguagem comum, um sistema unificado que facilite as comunicações e agilize os processos de interacção.

Uma das grandes vantagens da tecnologia é a de aumentar a produtividade e oferecer soluções mais eficientes. Para continuar a manter estas altas expectativas, todas as partes envolvidas devem seguir a mesma forma de operar. E é aí que uma normalização dos formatos de partilha de informação entra em acção. Se cada participante usar a sua própria linguagem, mesmo que todos persigam o mesmo objectivo e atinjam individualmente seus objectivos, quando chega a hora de interagirem uns com os outros, surgem as dificuldades de comunicação, prejudicando a eficiência e a rentabilidade de todos os envolvidos. Mas isto fica resolvido quando uma linguagem comum é criada para todas as partes participantes.

A importância de um modelo normalizado de integração de dados reside no facto de que se acaba com a multitude de formatos diferentes que existem e que diariamente dificultam a recepção e manipulação da informação que vem das seguradoras para os mediadores e vice-versa. Ao se criar uma linguagem e um código comum e normalizado para todas as partes envolvidas no sector de seguros, este problema deixa de existir.

Por outro lado, e do ponto de vista das empresas dedicadas ao desenvolvimento de soluções de software de gestão para os mediadores, a entrada em cena desta normalização de formatos irá acabar com um longo e penoso processo de constantes adaptações e alterações, pois não nos esqueçamos que os mediadores exigem que o software que utilizam seja “compatível” com todos os formatos com os quais as seguradoras trabalham.

Desde sempre que cada seguradora teve o seu próprio modelo de integração, pelo que as empresas de software já estão habituadas e familiarizadas com as especificidades de cada um desses modelos, mas desengane-se quem pense que isto é positivo…

Para permitir a máxima compatibilidade de todos estes formatos, cada programa de software tem de sofrer constantes adaptações que não só elevam os custos de desenvolvimento e manutenção, como também absorvem recursos que poderiam estar concentrados na evolução funcional de outras áreas desses softwares e que trariam enormes benefícios posteriormente para os mediadores e para a sua relação com as seguradoras.

Mas a incompatibilidade de formatos é o único problema que uma normalização de formatos resolve? A resposta é não, pois há outros efeitos colaterais imediatos além da diferença entre os formatos de informação. Se cada seguradora tiver a sua forma de trabalhar e enviar informações adaptadas ao seu sistema, cada uma precisará ser processada de uma forma particular. As interpretações variam, as informações podem estar incompletas ou o conteúdo pode exigir tratamento especial de acordo com as próprias regras do jogo.

Assim, o tempo que se utiliza para trabalhar com essas informações aumenta e, consequentemente, aumentam os custos, pois cada mediador tem de conhecer perfeitamente as características dessa variedade de sistemas, pois só desta forma, a informação armazenada no seu software será adequada e completa. No caso da mediação, a situação em relação a essa variedade de formatos e metodologias tem sido um problema difícil de resolver. Dado que a esmagadora maioria da mediação funciona com diferentes seguradoras, quando cada uma delas utiliza o seu próprio procedimento, face ao mediador, não é apenas um ónus em termos de funcionalidade, mas também um factor determinante na baixa qualidade do serviço prestado.

O facto de cada seguradora ter o seu formato próprio de partilha de dados de apólices, cobranças e sinistros faz com que as informações que são enviadas a cada mediador sejam muito diversas. Tanto em qualidade quanto em quantidade: em muitas ocasiões, nem toda a informação essencial para dar seguimento a um serviço é enviada.

A consequência desta situação é que o software e outros ferramentas tecnológicas de gestão tiveram que ser capazes de adaptar esses ficheiros para que pudessem ser descarregados pelo mediador de forma que pudesse existir uma “integração” entre os sistemas que os mediadores usam e os das seguradoras. Mas, apesar dessa “integração”, as informações são díspares e em grande quantidade e o investimento muito alto para os mediadores manterem processos de gestão adaptados a toda essa variedade de formatos.

Estamos assim num ponto em que é necessário mudar o paradigma da partilha digital de informação entre as seguradoras e os mediadores. Para terminar com um exemplo concreto, no mercado segurador em Espanha, o sector segurador criou há alguns anos um modelo normalizado de formato de dados, que já foi adoptado pela quase totalidade das seguradoras que ali operam e pela totalidade dos mediadores e empresas de software.

O mercado de seguros em Portugal se quiser pode assim olhar para outros mercados com experiências semelhantes já implementadas, testadas e com forte adesão por parte de todos os actores, e se unir em torno desta missão de simplificação e melhoria da relação digital entre os diversos intervenientes do sector segurador.

João Veiga, Country Manager da MPM Software em Portugal, in Eco Pt, 22/06/2022