O lado sombrio dos negócios de diamantes em África

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Nas regiões diamantíferas, as receitas geradas pela extração de minerais pouco são usadas para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem nesses países, sendo o Botswana a única exceção. Em vez de se apoiar as comunidades através das riquezas minerais, muitas pessoas ficam presas a um ciclo vicioso de exploração e abuso.

Na República Democrática do Congo (RDC), há uma história de conflito provocado por “ganância generalizada, secessão pós-colonial, bem como uma erosão habitual da responsabilidade do setor público e da gestão governamental”, lembra o presidente do Conselho Africano de Diamantes, M’Zee Fula Ngenge.

Ngenge acredita que só alguns poucos conseguem beneficiar diretamente do árduo trabalho dos mineiros, mantendo os trabalhadores sob más condições de vida para continuarem a exercer poder sobre eles.

Os conflitos regionais não só contribuem para esta mistura de controlo e opressão, como beneficiam efetivamente os grandes nomes do comércio de diamantes, permitindo-lhes estabelecer a taxa de exploração do trabalho de acordo com a necessidade dos mineiros para ganhar dinheiro.

Este cenário é semelhante noutros países africanos com grandes riquezas minerais, diz Ngenge, salientando que muitas nações da região são “deliberadamente visadas [pela indústria diamantífera] pela sua instabilidade política e social”.

“Todos os países em redor da RDC correm o risco de serem desestabilizados, resultado de um objetivo ou foco concentrado na extração, abuso e fraude”, afirma.

M’Zee Fula Ngenge dirige o Conselho Africano de Diamantes, uma organização intergovernamental que supervisiona o setor mineiro

Mineração ilegal de diamantes dominada por estrangeiros

O que a RDC, Angola, Moçambique e muitos outros países africanos ricos em minerais têm em comum é o facto de existirem dois mercados para a exploração de recursos minerais: uma indústria extrativa formal, que está sujeita a pelo menos algum nível de escrutínio, e uma indústria clandestina, dominada pelos garimpeiros e seus patrocinadores.

Caiongo Adelino trabalha como garimpeiro há mais de 10 anos na cidade mineira de Cafunfo, na província da Lunda Norte, em Angola, localizada perto da fronteira com a RDC. Aos 49 anos, ele diz que, regra geral, grupos de garimpeiros têm patrocinadores que pagam as suas viagens ao interior das matas para extrair diamantes ilegalmente. Mais tarde, esses patrocinadores compram os diamantes.

“A última vez que vendi um diamante custou 1.250 dólares”, relatou Adelino à DW. “Mas estes não são os preços reais, porque a tabela que é utilizada para nós garimpeiros é uma, e no mercado onde eles vendem os diamantes a outro preço”.

O mercado clandestino para a compra e venda de pedras preciosas – particularmente diamantes extraídos por garimpeiros – é largamente dominado por estrangeiros: senegaleses, chineses, franceses, eritreus, guineenses e congoleses intermediários, que não estão interessados no bem-estar das comunidades locais.

Isto reflete-se mesmo no modelo de negócio: um patrocinador distribui bens essenciais aos garimpeiros para a sua subsistência no mato e o valor dos bens distribuídos é deduzido do lucro que é pago aos garimpeiros quando estes regressam para vender os diamantes.

“Mundo desenvolvido” faz-se de cego

Dados do Conselho Africano de Diamantes indicam que, no caso de diamantes em bruto contrabandeados, se perde entre 28% a 32% das receitas da produção total. M’Zee Fula Ngenge diz que esta perda de receitas se refere especificamente aos diamantes em bruto e naturais, não documentados ou não certificados, que são contrabandeados para os principais centros diamantíferos fora do continente.

“Em alguns casos, os diamantes transportados ilegalmente são apreendidos e tornam-se propriedade dos países que os confiscam”, afirma.

“Assim, o ‘mundo desenvolvido’, como o Papa Francisco recentemente lhes chamou, é certamente culpado por fechar os olhos, os ouvidos e a boca a este tipo de omissão”, considera Ngenge.

Rafael Marques expôs as alegadas mortes por seguranças e soldados em zonas ricas em diamantes em Angola

Fingir a origem para manipular a indústria

Um perito em geopolítica dos diamantes, que pediu à DW para permanecer no anonimato, destacou alguns dos mecanismos de branqueamento de dinheiro por detrás do comércio.

“Por vezes os diamantes são roubados de minas em Angola e transportados para a RDC, e depois exportados para o Dubai com documentos que afirmam que estes diamantes são provenientes da RDC, enquanto que originalmente são de Angola”, revelou.

Desta forma, as tarifas aduaneiras e outras taxas são contornadas, a proveniência das pedras preciosas é ocultada, as normas laborais são contornadas e a dinâmica de toda uma indústria construída sobre o princípio da oferta e da procura é manipulada.

“Felizmente, isto não está a acontecer em grande escala, como aconteceu entre 2000 e 2015. Esperemos que esta situação seja controlada ou mesmo resolvida, embora as fronteiras entre os dois países sejam muito difíceis de controlar”, acrescentou o perito.

De acordo com o Conselho Africano de Diamantes, contudo, a única forma de coibir tais atividades seria combater ativamente a pobreza nas comunidades afetadas e assegurar que a extração de diamantes só possa ser exercida por meios legais.

Sem benefícios para as comunidades

Rafael Marques, jornalista angolano e autor de “Diamantes de Sangue”, critica as reformas no comércio angolano e internacional. Ele acredita que o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley, estabelecido em 2003, está a ser abusivamente utilizado como um pretexto para apaziguar vozes críticas.

De acordo com Marques, o protocolo pouco mais é do que uma fachada para fazer parecer que algo está a ser feito para reduzir o impacto do saque e transferência de recursos minerais de países pobres, enquanto, na verdade, salvaguarda os interesses dos países que compram as pedras preciosas.

“Este é o problema do Processo de Kimberley – age de acordo com os interesses estratégicos de alguns países”, diz Marques. Os habitantes das comunidades ricas em diamantes em África, afirma, estão longe de ver quaisquer benefícios à medida que as pedras são levadas para centros internacionais de diamantes como Antuérpia e Dubai.

“Basta dizer que os diamantes são [apresentados como] limpos para justificar tudo. Mas não estão limpos, porque continuam a ser violentamente explorados”, diz Rafael Marques.

Diamantes financiam invasão russa da Ucrânia

O jornalista e ativista angolano vê o Processo de Kimberley como particularmente deficitário face às atuais configurações geopolíticas. Ele acredita que o envolvimento da Rússia no comércio de diamantes africanos através da empresa Alrosa ajuda a financiar a guerra na Ucrânia – ao mesmo tempo que continua a explorar as comunidades.

“Existe um conflito. Há a exploração das comunidades locais, abusos na extração de diamantes pelo grupo russo Alrosa”, considera o jornalista.

O perito em diamantes, que falou à DW sob anonimato, concorda com essa avaliação. “Apontar as receitas diamantíferas da operação Alrosa seria uma questão-chave para evitar o rápido fluxo de dinheiro injetado na guerra [da Ucrânia]”, disse.

“O primeiro-ministro belga prepara-se para enviar soldados belgas [para a Ucrânia] enquanto a Bélgica continua a participar e a fornecer dinheiro à Rússia com as receitas da venda dos seus diamantes em bruto em Antuérpia – diamantes de sangue. Não há um conflito de interesses?”

DW, 22/02/2023