Na madrugada desta quinta-feira, faleceu aos 78 anos José da Conceição Guilherme, um dos nomes mais enigmáticos e influentes do setor da construção civil em Portugal e Angola.
Conhecido pelo apelido “Zé Grande” na Amadora, onde residia, José Guilherme foi uma figura chave na revelação de um dos maiores escândalos financeiros de Portugal, envolvendo o Banco Espírito Santo (BES) e o seu antigo presidente, Ricardo Salgado. O construtor foi responsável por transferir 14 milhões de dólares para uma conta de Salgado na Suíça, transação que viria a ser justificada pelo banqueiro como uma “liberalidade” em agradecimento por conselhos de investimento.
O Envolvimento em Angola e o Caso BES
A carreira de José Guilherme é marcada por uma expansão significativa em Angola, onde, com o apoio de Ricardo Salgado, se tornou um dos maiores investidores imobiliários. Entre os empreendimentos realizados por Guilherme em Luanda destacam-se as Torres Oceano, os condomínios Dolce Vita e Rosa Linda, e o complexo Clássicos de Talatona, que abriga vários ministérios do governo angolano.
Esses projetos não apenas consolidaram a sua presença no país, mas também levantaram suspeitas sobre as suas ligações com figuras influentes do governo angolano.
O vínculo entre Guilherme e Salgado foi além dos negócios. Com a ajuda do então presidente do BES, o empresário português recebeu uma linha de crédito superior a mil milhões de dólares através do BES Angola (BESA), hoje Banco Económico. Em troca, surgiu o controverso presente de 14 milhões de euros, descoberto durante as investigações do caso “Monte Branco”, um escândalo de lavagem de dinheiro que teve como epicentro uma empresa suíça de gestão de fortunas.
Relações Próximas e Discrição
Apesar do sucesso financeiro, José Guilherme sempre manteve um perfil discreto, raramente aparecendo publicamente. A sua ligação próxima com figuras políticas, tanto em Portugal quanto em Angola, é um reflexo do seu modus operandi. Entre os seus associados estão nomes como Isaltino Morais, ex-autarca de Oeiras, a quem ofereceu um almoço de aniversário avaliado em 3400 euros, e José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, que utilizou um dos seus escritórios como sede de uma empresa.
As suas atividades em Angola foram facilitadas pelas relações estreitas com o governo de José Eduardo dos Santos. Em 2014, fontes ligadas ao BESA revelaram ao jornal Expresso que Guilherme teria beneficiado de condições especiais nos empréstimos concedidos pelo banco, algo que o representante do construtor negou, assegurando que todas as dívidas foram pagas.
Um Legado de Controvérsias
A morte de José Guilherme não apaga as controvérsias que marcaram a sua vida. Além das suspeitas de tráfico de influência e das suas ligações com figuras politicamente expostas em Angola e Portugal, o empresário deixou um rastro de processos judiciais. Em 2022, entrou com uma ação contra o Novo Banco, sucessor do BES, para renegociar uma dívida de 94 milhões de euros. O construtor foi um dos maiores devedores do banco, com dívidas que, em conjunto com as suas empresas, ascendiam a 223,5 milhões de euros.
O enigmático “Zé Grande” foi, uma figura que se destacou pela sua habilidade em navegar as águas turbulentas do mundo dos negócios em dois continentes. A sua morte marca o fim de uma era de negócios envoltos em mistério, mas o seu legado continuará a ser debatido, especialmente à luz das investigações que desvendam o lado menos transparente do seu império.
22/08/2024