Analisando minuciosamente informações até agora disponíveis, identificam-se vários indícios de possíveis irregularidades e práticas de fraude no processo de aquisição dos 600 autocarros pelo Ministério dos Transportes de Angola.
Principais Indícios de Fraude
- Discrepâncias Orçamentárias:
- O valor autorizado pelo Presidente da República para a compra dos autocarros é de 323,5 milhões de euros, enquanto o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2024 prevê apenas 7,6 milhões de euros para esta despesa. Esta diferença significativa levanta suspeitas sobre a transparência e a gestão dos fundos públicos.
- Sobrefaturação:
- Cada autocarro custará cerca de 541 mil euros, um valor consideravelmente alto quando comparado com o preço de autocarros semelhantes no mercado internacional. Por exemplo, autocarros Marcopolo, utilizados em Angola, têm um custo unitário de aproximadamente cerca de 17.109 euros, o que permitiria adquirir cerca de 29 autocarros pelo preço de um Volvo no contrato mencionado.
- Ausência de Especificações Técnicas:
- O contrato não detalha as especificações técnicas dos veículos, o que é incomum para uma aquisição de tal magnitude e dificulta a avaliação da adequação do custo e da qualidade dos autocarros.
- Ajuste Direto e Falta de Concorrência:
- A escolha de realizar a compra por ajuste direto ao consórcio Opaia Europa e IDC International Trading, sem a realização de um concurso internacional, contraria boas práticas de transparência e competitividade. Outras marcas e fornecedores poderiam oferecer alternativas mais econômicas.
- Desvio de Finalidade dos Fundos:
- A alegação do MINTRANS de que parte do valor será usado para construir uma fábrica de montagem de autocarros na Zona Franca da Barra do Dande não está mencionada no despacho presidencial. Este detalhe introduzido posteriormente pelo ministério parece uma tentativa de justificar o alto custo e desviar a atenção da possível sobrefaturação.
- Histórico de Sobrefaturação e Irregularidades:
- O ministro dos Transportes, Ricardo D’Abreu, já esteve envolvido em outros casos suspeitos, como a tentativa de aquisição de imóveis por valores inflacionados. Este histórico adiciona credibilidade às alegações de sobrefaturação no caso dos autocarros.
- Reações e Silêncio das Autoridades:
- A reação tardia e atabalhoada do MINTRANS, bem como o silêncio do Presidente da República, João Lourenço, perante as acusações, contribuem para a percepção de falta de transparência e de possíveis irregularidades no processo.
Perguntas Chave para Investigação
- Por que o custo unitário dos autocarros é tão elevado comparado ao preço de mercado?
- Qual é a justificativa técnica e financeira para a escolha do ajuste direto em vez de um concurso internacional?
- Como será financiada a construção da fábrica de montagem de autocarros se não está prevista no OGE?
- O Tribunal de Contas e outras entidades de fiscalização financeira participaram na aprovação deste contrato?
- Qual é o plano detalhado para a implementação e operação da fábrica de montagem de autocarros?
As informações até aqui disponíveis, apontam para uma série de inconsistências e falta de transparência no processo de aquisição dos autocarros, sugerindo um possível esquema de sobrefaturação e má gestão dos recursos públicos.
Do Presidente da República, que assina o Decreto, espera-se uma resposta robusta e abrangente, visando não apenas resolver o problema imediato, mas também prevenir a repetição de tais irregularidades no futuro. Tal como cancelou o negócio envolto a polémicas para a compra de aviões para a TAAG, João Lourenço deve cancelar este negócio que só acrescenta manchas a imagem do governo.
Adilson Miguel, 23/05/2024