Especialistas da agência brasileira ANEC estimam que as exportações de milho do Brasil atinjam 8,8 milhões de toneladas em agosto deste ano, registando um aumento comparando com os 6,9 milhões de toneladas, no mesmo período de 2022.
A produção milho dá para três colheitas por ano e ainda existem enormes extensões de terras agrícolas subutilizadas. De acordo com a análise feita pela Reuters sobre o transporte de milho brasileiro, o país está “finalmente a ultrapassar alguns dos estrangulamentos infra-estruturais que há muito dificultavam o transporte das colheitas para os mercados globais”.
Neste diagnóstico, é explicado que os produtores estão a escoar o milho através dos portos do norte do Brasil. Estas infraestruturas utilizam as hidrovias da bacia do rio Amazonas por onde se está a fazer o transporte do cereal.
Desta forma, o Brasil está a caminho de superar o volume de exportação através do porto de Santos, pelo terceiro ano consecutivo. Santos, no sudeste brasileiro, é há muito tempo o principal porto para escoar o cereal.
Mas este ano, a porta de saída de Santos foi ultrapassada pelos portos de Barcarena, Itaqui, Itacoatiara e Santarém. Por aqui, fizeram-se cerca de 37 por cento do total das exportações de milho do Brasil, de acordo com a agência agrícola brasileira Conab. Apenas 24 por cento passaram por Santos.
Ultrapassar a produção norte-americana
As interrupções causadas tanto pela guerra na Ucrânia,- país considerado o grande exportador de cereais- , tanto pelas tensões comerciais entre os EUA e a China, abrem espaço para a expansão brasileira, entretanto alavancada pela melhoria da capacidade de exportação.
A competitividade do Sul poderá levar a uma redução nas exportações de milho dos Estados Unidos, até porque está anunciado, desde o ano passado, um acordo de fornecimento de milho com China.
“O Brasil pode estar a iniciar uma era longa de supremacia sobre as exportações de milho dos EUA”, observam os analistas.
Sérgio Mendes, chefe do grupo exportador brasileiro de cereais ANEC afirma: “Comemorámos muito quando os volumes (de exportação de milho) através dos portos do Norte se igualaram a Santos”. E sublinha que “ao usar os portos do Norte, é possível economizar 20 reais (perto de quatro euros) por tonelada (de milho)”.
Brasil-China: Rota do milho mais barata
A nova capacidade de exportação ajudou o milho transportado a partir dos portos do norte do Brasil a competir em custos logísticos com os agricultores dos EUA.
Enviar uma tonelada de soja em 2008 de Iowa (EUA) para Xangai custava 77 por cento do valor cobrado nos portos do norte do Brasil, mas em março de 2023 registou-se uma inversão. Passou a custar mais cinco por cento enviá-la dos EUA, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA e o ESALQ-LOG do Brasil.
Para o milho, os valores de transporte são muito semelhantes, afirma Thiago Pera, coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial do Departamento de Economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
O porto de Santos que exportava quase três vezes mais milho do que os quatro portos do norte em 2015, foi agora ultrapassado, depois de os investimentos nas infraestruturas expandirem a capacidade portuária na região amazónica. “A maior parcela dos embarques através dos portos do norte reflecte custos de frete mais baratos em comparação com as rotas para os portos do sul e sudeste”, disse Thome Guth, funcionário da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento.
A empresa estatal chinesa COFCO está agora a construir um novo e importante terminal de cereais em Santos, depois de obter uma licença de 25 anos para operar uma unidade com capacidade para 14 milhões de toneladas. Os embarques do terminal STS11 da COFCO estão programados para começar em 2026.
O Grupo COFCO é o maior produtor e comerciante de alimentos da China. É também um dos principais grupos de agronegócios da Ásia.
Entretanto, a maior empresa ferroviária do Brasil, Rumo (RAIL3.SA), acaba de concluir um investimento de quatro mil milhões de reais na Ferrovia Norte Sul, iniciado em 2019.
O caminho de ferro ligará o porto de Santos aos estados agrícolas de Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, e pretende reforçar uma outra rota importante para escoar as colheitas brasileiras para os mercados globais.
Mas faltam áreas de armazenamento
Porém, a indústria agrícola brasileira ainda não superou todos os problemas logísticos. A capacidade de armazenamento nas explorações agrícolas ainda é pequena em comparação com potências rivais de cereais como o Canadá, os EUA e a Argentina.
A falta de silos, onde os produtores poderiam armazenar o milho e assim lançá-lo no mercado, apenas quando fosse mais favorável, significa que os agricultores brasileiros são forçados a vender rapidamente as colheitas.
Exportações brasileiras de milho para a China aumentam 194%
A Conab prevê que a produção total de milho do Brasil em 2023 será de quase 130 milhões de toneladas, a maior de todos os tempos, e as exportações atingirão 50 milhões de toneladas métricas pela primeira vez.
O milho em Chicago caiu de uma máxima de 10 anos em abril de 2022 para uma mínima de dois anos e meio neste mês, em parte devido à ampla oferta do Brasil. Desde 2019 que os EUA impuseram uma tarifa adicional de 10 por cento sobre o milho importado dos EUA pela China como medida de retaliação comercial.
A combinação do preço de exportação mais elevado do milho e das tarifas retaliatórias a Pequim e os acordos no contexto BRICS – bloco geopolítico e económico formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – permitirá às empresas chinesas recorrem a fornecedores alternativos para diversificar as importações e aumentar a segurança alimentar.
A mais recente cimeira da BRICS realizou-se em Joanesburgo, na África do Sul, entre 22 e 24 de agosto. Os economistas da Bloomberg relembram que “os membros originais têm duas coisas em comum: grandes economias e elevadas taxas de potencial crescimento”.
No final de 2022, Pequim deu luz verde a diversas empresas brasileiras para exportarem milho para a China (a lista tem 400). De acordo com estimativas de mercado, o Brasil poderá exportar cerca de cinco milhões de toneladas de milho para a China este ano – o que representa dez por cento do total das exportações globais de milho e
194 por cento a mais do que as exportações brasileiras de milho para a China, em 2022.
RTP, 26/08/2023