África está menos segura e menos democrática que em 2012

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Quase 70% dos africanos vivem em países cuja situação se degradou nos últimos dez anos. Cabo Verde é o melhor entre os PALOP, mas piorou; Angola esteve melhor, mas segue entre os piores.

A situação estava a evoluir positivamente até que, nos últimos quatro anos, a década que prometia ser de boas novas para o continente africano, começou a desmoronar-se. A isso juntou-se a pandemia e chegámos ao final de 2021 com um decénio mais ou menos perdido – e ainda sem contabilizar o impacto da guerra na Ucrânia. O progresso do continente sofreu uma forte deterioração na segurança e Estado de direito e nos direitos e inclusão.

“As melhorias no desenvolvimento humano e nos fundamentos económicos foram minadas por uma situação de segurança cada vez mais perigosa e um retrocesso democrático generalizado, à medida que o continente luta para gerir os impactos combinados dos desafios globais não africanos como a pandemia de covid-19 e a crise climática”, diz último relatório do Índice Ibrahim de Governança em África.

Segundo o estudo anual, publicado esta semana pela Fundação Mo Ibrahim, por este caminho, sem uma acção urgente para inverter a tendência actual de degradação democrática e de aumento da insegurança, África caminha a passos largos para falhar os seus Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e atinge a primeira década da Agenda 2063 com alarmes a disparar por todo o continente.

“Este relatório tem a grande vantagem de confirmar coisas que de forma dispersa têm vindo a ser constatadas um pouco por todo o continente”, diz ao PÚBLICO o economista e investigador do ISCTE Jonuel Gonçalves. “Inclusive países como a África do Sul, Egipto, Nigéria, até Etiópia, que tinham feito alguns avanços, todos eles, de repente, começaram a andar para trás.”

O relatório diz que 2021 foi, generalizadamente, um ano “menos seguro e democrático que em 2012”, sobretudo, porque desde 2017 se vem acentuando uma “deterioração preocupante quer ao nível da segurança e do Estado de direito quer na participação, direitos e inclusão”.

“As pessoas cansaram-se do mesmo discurso que conduz exactamente ao oposto do que o discurso diz”, comenta Jonuel Gonçalves. Porque a realidade, como adianta o Índice Ibrahim, é que hoje quase 70% dos africanos vivem em países onde o nível de segurança e do Estado de direito diminuiu em relação a 2012.

Aliás, num estudo sobre governança dividido em quatro pilares (bases para oportunidades económicas; desenvolvimento humano; participação, direitos e inclusão; e segurança e Estado de direito), é precisamente o impacto do ritmo de degradação da segurança e do Estado de direito nos últimos anos que mais contribui para os maus resultados gerais.

“Há degradação, realmente, dos níveis gerais de segurança, de participação, de oportunidades económicas e, depois, há uma constatação, que é mais quantificada pela melhoria da estatística, que ao melhorar, denuncia situações que são muito graves”, explica Jonuel Gonçalves.

A instabilidade política regressou em força ao continente e sucederam-se os golpes de Estado, algo que parecia ser coisa do passado. Desde 2012, registaram-se 13 golpes de Estado e várias tentativas mais, a que se somou ainda o autogolpe levado a cabo pelo Presidente tunisino, Kais Saied.

Cabo Verde sofre deterioração

No que diz respeito aos países africanos de língua portuguesa, Cabo Verde continua a ser aquele que melhor lugar ocupa no Índice (4.º), no entanto, viu nesta década deteriorarem-se as suas condições de governança. Dos dez primeiros países da lista, isso só aconteceu aos cabo-verdianos e à Maurícia (que ainda lidera a tabela).

Cabo Verde desceu em todas as quatro categorias, aparecendo no vermelho na questão das oportunidades económicas e na participação, direitos e inclusão. Está mesmo entre os 12 países que desceu nas quatro subcategorias da segurança e do Estado de direito. Dos cinco primeiros da lista, só as Seychelles não passaram pelo mesmo.

Quanto aos outros quatro PALOP, Angola contrasta com os demais, registando uma década de crescimento no que diz respeito ao Índice Ibrahim, sinal da transição política resultante da saída de José Eduardo dos Santos da presidência, depois de 38 anos, e a chegada ao poder de João Lourenço com um discurso de mudança. Os dados do estudo de 2022 só incluem levantamentos até ao final de 2021, não reflectindo, por isso, todos os problemas nas eleições angolanas do ano passado, com muitas denúncias de irregularidades.

Atendendo ao que diz o Índice, Angola, que mesmo assim está num modesto 40.º lugar entre os 54 países africanos (e que entre os PALOP só é superado para pior pelo 44.º lugar da Guiné-Bissau) registou melhorias significativas em todas as categorias. Os angolanos lideram mesmo a classificação de tendências em três dos quatro pilares do estudo, só sendo superados em desenvolvimento humano pela Argélia.

Quanto aos outros dois países de língua portuguesa, tiveram evoluções diferentes de 2012 a 2021. Enquanto São Tomé e Príncipe, 11.º na tabela, registou uma lenta melhoria; Moçambique, 26.º, teve uma ligeira deterioração da sua governança.

Público, 28/01/2023