África de novo em evidência na Bienal de Veneza 2022

A arte contemporânea de África continua a estar, como se tem podido observar em anos recentes, no centro das atenções internacionais. A Bienal de Veneza vem, uma vez mais, comprovar essa evidência com a presença de uma série de artistas de origem africana na exposição principal da Bienal e nos múltiplos debates programados para o “Africa Forum”.

A Bienal de Veneza abriu oficialmente dia 23 de Abril deste ano. Durante a semana de abertura da exposição houve mais artistas, curadores, coleccionadores e críticos de arte reunidos no mesmo lugar ao mesmo tempo do que em qualquer outra parte do mundo. O formato bienal herdou muitas características de seus antepassados, as Feiras Mundiais. O evento é organizado em torno de um formato de competição internacional, com exposições nacionais que representam seus países de origem e todos disputam o prémio principal.

A exposição de arte é organizada em dois espaços principais – o Giardini di Castello, onde estão situados os pavilhões nacionais, e o Arsenale, que, além dos pavilhões nacionais, também abriga a exposição internacional. O primeiro pavilhão nacional, pertencente à representação nacional belga, foi erguido em 1907. Nenhuma nação africana teria o seu próprio pavilhão até 1993, muito depois do fim da era colonial. Não é surpresa, no entanto, que historicamente tenha faltado a representação de artistas africanos na exposição internacional, o que tem vindo a mudar  lentamente e, em 2015, Okwui Enwezor (Nigéria, 1963-2019) foi nomeado curador da bienal.

Este ano, a exposição internacional intitula-se The Milk of Dreams e tem a curadoria da italiana Cecilia Alemani, que convidou 213 artistas de 58 países para participarem na sua exposição. Destes, doze representam o continente africano: Igshaan Adams (África do Sul), Monira Al Qadiri (Sudão/Dinamarca), Ibrahim El-Salahi (Sudão/Reino Unido), Kudzanai-Violet Hwami (Zimbábue/Reino Unido), Bronwyn Katz ( África do Sul), Antoinette Lubaki (República Democrática do Congo), Amy Nimr (Egito/França), Madalena Odundo (Quênia/Reino Unido), Elias Sime (Etiópia), Portia Zvavahera (Zimbabwe).

Em 2013, Angola conquistou o Leão de Ouro de melhor participação nacional. Dos 80 países presentes este ano, nove representam nações africanas. Destes, a República de Camarões, Namíbia e Uganda participam pela primeira vez.

O Pavilhão do Zimbábue está presente pela sexta vez consecutiva na Bienal. A exposição desta edição, intitulada “I did not leave a sign?” apresenta quatro artistas: Kresiah Mukwazhi, Wallen Mapondera, Terrence Musekiwa e Ronald Muchatuta. A exposição tem curadoria de Fadzai Veronica Muchemwa e o Comissário do Pavilhão é Raphael Chikukwa. Nesta exposição, o curador explora a vida animada dos zimbabueanos enquanto governado por ameaças invisíveis. Através de contos de dispersão e migração, ela examina o que o conhecimento significa num mundo onde a ciência e a tecnologia, elas próprias rebeliões contra as falsas certezas da religião, são reveladas como respostas pouco completas.

O Pavilhão de Uganda estreia-se na Bienal este ano. O Ministério de Género, Trabalho e Desenvolvimento Social apoiou oficialmente esta participação e Juliana Naumo Akoryo actuou como Comissária do pavilhão. Este feito foi possível através de uma parceria entre a Stjarna.art, um escritório de gestão de artistas plásticos com sede em Bruxelas, Bélgica, e o Centro Cultural Nacional de Uganda (UNCC). A curadora britânica nascida na Tanzânia, Shaheen Merali, apresenta obras dos artistas de Kampala Acaye Kerunen e Collin Sekajugo. Merali descreve a exposição, intitulada Radiance – They Dream in Time, como referindo-se ao conhecimento essencial e às experiências vividas por Kerunen e Sekajugo ao falarem dos diversos territórios de Uganda, bem como ao comércio e às condições de vida nos seus centros urbanos. Ambos os artistas têm trabalhado activamente com arquivos formais e informais da cultura visual dinâmica do Uganda.

O pavilhão nacional da África do Sul, intitulado Into the Light, desenvolve-se paralelamente e complementa o tema da exposição principal, The Milk of Dreams. A mostra concentra-se nas quarentenas e bloqueios exigidos pela pandemia da COVID-19. Normalmente o isolamento é visto de forma negativa, mas a adversidade também pode trazer oportunidades criativas. O isolamento obrigatório em resposta à pandemia deu aos artistas tempo e espaço para voltar o foco para a auto-avaliação. Os artistas em destaque são Lebohang Kganye, artista visual que recentemente ganhou o prestigioso Prémio Paul Huf apresentado pela FOAM e cujo trabalho explora temas de história pessoal e ancestralidade ao mesmo tempo que ressoa com a história da África do Sul e do apartheid; Roger Ballen, um fotógrafo de renome mundial; e Phumulani Ntuli, artista multidisciplinar cuja obra mescla o âmbito da pesquisa artística, escultura, video-instalações e práticas performativas. Amé Bell foi a curadora do pavilhão sul-africano em parceria com o Embaixador da África do Sul em Itália, Nosipho Ngcaba.

Egipto, Gana, Costa do Marfim e Quénia também apresentam os seus pavilhões na edição deste ano.

Cada edição vê pavilhões e participantes premiados. Entre outros prémios oficiais, o júri atribuirá os troféus de topo da bienal, os Leões de Ouro de melhor Pavilhão Nacional e melhor Participante (um único artista). Este ano, o curador independente Bonaventure Soh Sejeng Ndikung, fundador e diretor artístico da SAVVY Contemporary, em Berlim, é um dos membros do júri internacional indicado pelo Conselho de Administração da Bienal

Uma iniciativa paralela de grande interesse é o Fórum de Arte Africana em Veneza (AAVF). Um evento público e gratuito apresentado durante a semana de abertura da bienal. O projecto oferece uma nova plataforma para apresentar e discutir temas relacionados com a arte contemporânea em África e as suas diásporas no contexto cultural, profissional e de infra-estrutura da Bienal de Veneza. Os organizadores reconhecem que muitos países são praticamente invisíveis ao público devido à falta de pavilhões nacionais, pelo que procuram evidenciar o trabalho dos seus artistas de outra forma.

A AAVF nasceu em 2017 com o objectivo de reunir em Veneza uma multiplicidade de vozes do ecossistema da arte contemporânea africana, apresentando a sua mensagem criativa e abrindo um diálogo cultural mais amplo durante a semana de abertura da Bienal. A AVVF defende um espectro mais amplo de práticas criativas e diálogos culturais, e um ecossistema de arte mais diversificado, inclusivo e equilibrado, que alimente a capacidade de abordar questões individuais, sociais e globais do nosso tempo.

26/07/2022