Números duvidosos sobre produção e exportações atrasam evolução do sector agrícola

Imagem: DR

A sensação que fica é que as mudanças estruturais na economia tardam a acontecer e que tudo está ainda por ser concretizado a este nível. Mesmo assim, os dados oficiais colocam Angola a produzir o dobro da batata doce do Brasil e a exportar tomate avaliado em mais de 5,7 milhões USD em apenas seis meses de 2025.

Em 10 fileiras de produtos analisados pelo Expansão , que incluem hortícolas, frutas e sal, os desencontros entre os números do Banco Nacional de Angola (BNA) e Administração Geral Tributária (AGT) chegam a ser surpreendentes: em 2024, por exemplo, o BNA registou exportações de 98,6 milhões USD no somatório das categorias de ‘Produtos Agrícolas e Florestais’ e ‘Bens Alimentares’, enquanto a AGT coloca a rubrica ‘Bens Agrícolas e Alimentares’ a exportar 148,0 milhões USD no mesmo período, uma diferença de 40 milhões USD. Empresários e fontes do sector consultadas colocam as mesmas dúvidas sobre os números da produção agrícola e alegam que a ausência de fiabilidade estatística é um elemento prejudicial ao aumento das exportações e à implementação de uma estratégia consistente para o sector.

Os indicadores oficiais sobre produção agrícola, que também servem de fonte para a base de dados mundial, elaborada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), colocam o País no topo dos produtores internacionais de vários produtos, como são os casos da banana, abacaxi, mandioca e batata doce – onde Angola surge a produzir mais do dobro do Brasil, por exemplo, o que causa estranheza aos operadores e especialistas do sector.

O desfasamento entre o BNA e a AGT sobre as exportações de produtos agrícolas e alimentos é histórica: em 2024, o banco central registou 98,6 milhões USD, enquanto a AGT assinalou 148,0 milhões USD. Em 2023, o BNA divulgou 121,9 milhões USD, mas a AGT registou 168,9 milhões USD de exportações na categoria ‘Bens Agrícolas e Alimentares’. Em 2022, o BNA faz referência a 82,3 milhões USD 2022 e a AGT divulgou 117,7 milhões USD.

Para além da banana, batata doce, abacaxi e mandioca, o Expansão compilou os dados de produção interna, exportação e comparação com o mercado internacional de tomate, cebola, batata rena, feijão, sal e manga/goiaba (ver infografia nas páginas seguintes).

No ano passado, as exportações dos 10 produtos analisados renderam cerca de 10 milhões USD, segundo a AGT (o BNA não divulga informações parciais), com a banana a representar 35% ou 3,5 milhões USD. Também aqui há dúvidas sobre os dados da AGT, que apresentam um crescimento grande no primeiro semestre de 2025, para 3,9 milhões USD, quando os dados do mercado indicam dificuldades na exportação de banana.

Só no primeiro semestre de 2025, as exportações dos 10 produtos seleccionados pelo Expansão já ultrapassaram o valor obtido em todo o ano anterior (chegaram a 10,4 milhões USD entre Janeiro e Junho), apoiadas no crescimento exponencial da exportação de tomate, que passou de 1 tonelada, em 2022 (avaliada em 5.340 USD), para 5,7 milhões USD (equivalente a 1.220 toneladas) em apenas seis meses de 2025, segundo a AGT.

“Em alguns casos, os números não encontram sustentação prática no volume de produção que vemos circular. Não me espanta tanto o aumento do volume de exportação do tomate, mas a época em que a exportação acontece tem que, no mínimo, coincidir com os períodos de alto volume e baixos preços, que é quando pode ser mais atractiva a exportação. Ainda assim, é preciso analisar bem estes indicadores com outras variáveis que não foram apresentadas, como a origem e destino” do tomate exportado, defende Wanderley Ribeiro, presidente da Associação Agro Pecuária de Angola (AAPA).

Embora não seja comparável com os dados da AGT, porque dizem respeito apenas ao primeiro trimestre de 2025, o BNA registou 21,5 milhões USD de exportações nas categorias “Produtos Agrícolas e Florestais” e “Bens Alimentares”.

Às divergências e fragilidades estatísticas, que impedem conhecer o sector agrícola em toda a sua extensão e realidade factual, juntam-se entraves estruturais que não permitem aumentar de forma exponencial a produção interna, melhorar a segurança alimentar e a dieta dos cidadãos, ao mesmo tempo que se definem estratégias para incrementar as exportações agrícolas.

Falta de foco

Estas estratégias implicam a realização de estudos regionais e internacionais sobre potenciais mercados de destino dos produtos angolanos e a imposição de medidas de qualidade para cumprir normas sanitárias e de competição nesses mercados (incluindo a possibilidade de o Estado subvencionar estas iniciativas, até como forma de mitigar riscos e atrair investimento privado), sobretudo nas fileiras onde o País é auto-suficiente (banana, por exemplo) ou em produtos pouco consumidos em Angola, mas com elevada procura externa (como o abacaxi ou café, entre outros exemplos). Tomate, manga, mandioca e feijão são outras culturas com potencial de exportação.

Faltam ainda as soluções logísticas e de transportes, porque os preços dos fretes em Angola são mais elevados do que noutras regiões. Já para não falar do acesso à terra, porque poucos investidores privados aceitam investir em agricultura em terrenos alheios. “Ou seja, está tudo por fazer”, assegura ao Expansão uma fonte ligada ao sector.

Apesar dos milhões de dólares registados pelo BNA e AGT com a exportação de produtos agrícolas e alimentares, o peso desta categoria no total das exportações em 2024 foi de apenas 0,4%, para um valor de 36.898 milhões USD (94,2% das exportações foram de produtos petrolíferos, avaliados em 34.760 milhões USD). Esta estrutura de comércio externo demonstra a fraca diversificação da economia e a falta de foco e de eficácia das políticas públicas.

Em relação ao destino dos produtos angolanos, a China, Índia, Espanha, Indonésia e França corresponderam, em 2024, em conjunto, a 70,1% do total das exportações. O mercado chinês manteve-se como o principal cliente, com um peso de 45,5% (uma queda de 5,1% face a 2023). A Índia ocupava a 2.ª posição no ranking . Todos estes parceiros comerciais adquirem apenas petróleo bruto.

Na opinião de Wanderley Ribeiro, a dinâmica da exportação precisa de liderança, ao mesmo tempo que as operações de representação de Angola nas feiras internacionais “devem ser fomentadas e co-participadas pelo Estado, em estreita articulação e coordenação do sector privado, à semelhança do que acontece hoje com a FILDA”.

“Se quisermos melhorar a qualidade das nossas intervenções na arena internacional das exportações, a narrativa deve ser sobretudo liderada pelo sector privado e este deve cumprir com os requisitos dos mercados de destino, pese embora possam surgir casos de exportação regional com baixas exigências”, acredita Wanderley Ribeiro.

Expansão , 18/08/2025