João Gonçalves considera a Zona de Comércio Livre Africana “decretos sem valor nenhum”

Especialista critica falta de cooperação entre países africanos e alerta para riscos estratégicos e militares na região dos Grandes Lagos

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O especialista em Relações Internacionais, João Gonçalves, considera que a Zona de Comércio Livre Africana (ZCL), à qual Angola aderiu oficialmente em junho, “são decretos sem valor nenhum”, por falta de vontade política e de cooperação entre os líderes africanos. Em entrevista ao Valor Económico, o académico afirmou que o continente continua refém de divisões internas e da influência de potências estrangeiras, o que impede o avanço da integração económica.

Segundo Gonçalves, a ausência de infraestruturas rodoviárias e ferroviárias entre os países constitui o principal entrave à ZCL. “Não temos vias conectadas. O egoísmo do africano em não querer conectar-se com o outro é o problema”, criticou, acrescentando que a Zona de Comércio Livre “é apenas papel, decretos sem valor”.

O especialista apontou ainda que Angola deveria investir primeiro no Corredor do Lobito, de modo a potenciar a exportação de recursos e a fortalecer as ligações regionais. “Temos de investir em nós mesmos. Se não o fizermos, outros países vão ocupar o espaço”, alertou, referindo-se ao crescente interesse dos Estados Unidos, da China e do Ruanda na região.

João Gonçalves manifestou também preocupação com o reforço militar do Ruanda e da RDC, que considera uma ameaça direta à segurança de Angola. “A RDC é uma grande ameaça. Devemos reforçar o nosso exército e armá-lo até aos dentes”, afirmou, revelando que engenheiros e militares estrangeiros estão a atuar na região sob disfarce, incluindo “ruandeses treinados em Israel”.

Em tom crítico, o especialista denunciou o que considera a falta de patriotismo e de consciência nacional em Angola, associando essa fragilidade à crise social e à fuga de quadros para o exterior. “Estamos a perder talentos para Portugal. Isso não é patriotismo”, lamentou.

Gonçalves destacou ainda a necessidade de diversificar a economia, apostando em setores como a agricultura e a educação. Comparando Angola com as economias asiáticas, afirmou que “os Tigres Asiáticos desenvolveram-se com base no patriotismo e na disciplina”. Para ele, o país deve seguir esse exemplo, “começando com pequenas coisas, como agricultura e educação robusta”.

O académico criticou igualmente a dependência externa e o endividamento com a China. “Estamos a pagar o preço. Quando se deve, é-se escravo de quem empresta”, declarou, acusando os chineses de praticarem dumping e de prejudicarem a indústria nacional.

No campo político, João Gonçalves advertiu que a instabilidade em países como Ruanda, RDC e Moçambique tem origem em disputas de influência entre potências estrangeiras e pode afetar a segurança regional. “A União Africana é uma sombra de si mesma, dependente de financiamentos externos. Assim é difícil agir com autonomia”, afirmou.

O especialista concluiu apelando a uma reforma profunda das instituições africanas e ao fortalecimento da liderança interna. “Sem patriotismo e sem consciência nacional, África continuará a ser dirigida de fora”, concluiu.

11/05/2025