Investigação aos negócios de Isabel dos Santos: “Vamos pedir um segundo avião para levar isto”

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INVESTIGAÇÃO EXCLUSIVA: AS REVELAÇÕES DE MÁRIO LEITE DA SILVA, O HOMEM DE CONFIANÇA DE ISABEL DOS SANTOS (5/5) || Os pagamentos à empresa Matter foram feitos rapidamente e através de bancos controlados por Isabel dos Santos. No circuito esteve um gestor do banco que foi encontrado morto dois dias depois e isso intrigou o investigador dos Países Baixos. Leite da Silva disse que não achava estranho porque o homem andava há meses deprimido. Quando acabou a inquirição, o gestor entregou milhares de documentos ao investigador referentes ao período de 2005/20 e ainda prometeu enviar mais

Van Andel puxou alguns meses atrás o calendário dos factos, focando-se nos pagamentos internacionais feitos através do Banco BIC. E centrou-se também na rapidez com que o banco autorizou pagamentos de mais de 100 milhões de euros, mesmo com a súbita mudança de dois diretores da Esperaza e sendo necessário cumprir diversas burocracias legais, inclusive nos Países Baixos. Para o investigador, a extrema celeridade era ainda mais estranha porque depois soube-se que a movimentação do dinheiro representou cerca de um terço do total do balanço do Banco BIC Cabo Verde.

  – Willem Van Andel (WVA): “O sr. da Cunha esteve envolvido nestes pagamentos?”

  – Mário Leite da Silva (MLS): “Quem é o sr. da Cunha?”

  – WVA: “Não sabes quem é o sr. da Cunha?”

  – MLS: “Não.”

  – MLS: “Ok.”

  – MLS: “Ah, Nuno Ribeiro da Cunha?”

Mário Leite da Silva desculpou-se por não ter chegado logo ao nome do responsável do Eurobic, que Van Andel dizia que poderia estar envolvido nos pagamentos à Matter, um alto quadro do banco que se suicidou pouco depois da divulgação do caso Luanda Leaks. A sequência de factos levou o investigador a perguntar se Leite da Silva não achava que se trataria de algo mais do que uma coincidência. “Não, não é essa a impressão que tenho, lamento”, respondeu-lhe o gestor português. “Ok então porque é que achas que este homem foi encontrado morto dois dias depois de publicados os Luanda Leaks?”, perguntou Van Andel. “A informação que tenho dos amigos dele é que estava deprimido desde o verão de 2017. Porquê, eu não sei. Problemas familiares ou algo do género, mas eu não tenho qualquer relação com o sr. Nuno Ribeiro da Cunha”, vincou Leite da Silva, alertando que o banco Bic Cabo Verde e o Eurobic, onde trabalhava Nuno Ribeiro da Cunha, eram entidades diferentes.

– Willem Van Andel (WVA): “A Esperaza também tinha conta no Eurobic ou tinha apenas uma conta no Banco BIC?”

  – Mário Leite da Silva (MLS) “Acho que a Esperaza tinha uma conta no Eurobic e outra conta no Banco BIC Cabo Verde.”

  – WVA: “A propósito, como é que eras pago entre 2006 e 2020?”

  – MLS: “Era membro da administração de várias empresas em Portugal. Era membro do Conselho do banco BPI. Era presidente da Efacec, que foi nacionalizada após esta campanha mediática. Era membro do conselho de uma empresa de telecomunicações chamada NOS, tinha uma remuneração na Fidequity…”

  – WVA: “Mas não pela Esperaza?”

  – MLS: “Não, nada, nunca.”

  – WVA: “E não pela Exem?”

  – MLS: “Nunca. E também não pela Matter.”

  – WVA: “Ok. Mais uma pergunta…”

  – MLS: “Eu (inaudível) um pouco cansado, porque…”

  – WVA: “Estamos quase a acabar.”

  – MLS: “Não, não, não, temos todo o tempo.”

Mas Van Andel insistiu que tinham mesmo de terminar em breve porque estava quase a chegar o antigo CFO da Sonangol Sarju Raikundalia para também ser inquirido. E lembrou que continuava concentrado no que se passara em 2017 que, para ele, era a parte mais importante da investigação. Leite da Silva observou que lhe tinha trazido documentos que iam de 2005 a 2020, um sem número de emails, relatórios e resoluções para provar que estava a cooperar totalmente. “Não tenho nada a esconder”, vincou. Van Andel agradeceu-lhe, disse-lhe que tinham mais alguns minutos e que poderiam falar daquilo que o gestor quisesse. “Não quero que vás daqui e digas ‘Ah, eu queria dizer isto’.”

Nuno Ribeiro da Cunha

Eram quase 14h20 e tinham de fazer mais uma pequena pausa, mas antes de sair da sala Van Andel recomendou que Leite da Silva se servisse de alguma comida que tinham à disposição. O gravador voltou a ligar-se poucos minutos depois. As perguntas continuaram e Mário Leite da Silva continuou a responder a tudo até já depois das 3 horas da tarde. Van Andel disponibilizou-se então a receber todas as informações que Leite da Silva lhe quisesse enviar por email e este prontificou-se até a dar-lhe o número de telemóvel para que não existissem dúvidas de que estaria sempre contactável. Começou a ditar o número de telemóvel a Eveline Neele, a investigadora assistente de Van Andel, mas porventura devido ao cansaço hesitou várias vezes e até se esqueceu momentaneamente da sequência numérica. “É tão estúpido. Quando queremos dizer o nosso, nosso, nosso número…”, desculpou-se antes de acertar de vez.

Van Andel começou a despedir-se e ainda gracejou quando olhou para os muitos documentos em papel – fora os dados digitais que lhe prometera depois enviar – que Leite da Silva lhe tinha entregado: “Vamos pedir um segundo avião para levar isto tudo.”

Poucos minutos depois, às 15h08 de 30 de maio de 2022, acabou a inquirição.

18/07/2025