Estado é “árbitro e jogador” e trava investimento privado na aviação, denuncia CEO da Fly Angola

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O fundador e presidente executivo da Fly Angola, Belarnício Muangala, considera que o Estado angolano tem assumido um duplo papel no sector da aviação civil, atuando simultaneamente como “árbitro e jogador”, o que, segundo ele, inibe o investimento privado e impossibilita a criação de um mercado verdadeiramente concorrencial.

“Uma existência concorrencial na aviação não é possível. Isso explica a razão de ninguém querer investir neste sector”, afirmou o gestor em entrevista, defendendo que o atual modelo de atuação do Estado é o principal entrave ao desenvolvimento da aviação nacional.

Em entrevista ao Jornal Valor Económico, Muangala alertou que, embora a legislação permita a presença de operadores privados no transporte aéreo regular, o Estado mantém o controlo sobre as principais estruturas e decisões estratégicas, desde a companhia de bandeira TAAG até à gestão dos aeroportos.

“O sistema atual não incentiva o investidor privado. O Estado é dono da companhia de bandeira, do operador aeroportuário, da empresa de handling e até da de catering. Isso cria oportunidades desiguais e desencoraja o investimento”, apontou.

De acordo com o empresário, a aviação não está contemplada em programas de incentivo económico, o que agrava as dificuldades de acesso a financiamento e de expansão das companhias privadas. “Não existe um programa claro de fomento para o sector. O transporte aéreo não é abrangido pelos programas de incentivo do BNA, como acontece com a agricultura ou o turismo”, lamentou.

Exemplo da rota Catumbela-Windhoek

A Fly Angola lançou, no início de 2024, a rota internacional Catumbela–Windhoek, entre Angola e a Namíbia, mas suspendeu as operações seis meses depois por falta de incentivos e apoio institucional.

“A Namíbia concedeu-nos isenção de taxas por seis meses. Do lado angolano, não recebemos nada. Essa diferença de políticas de fomento explica o insucesso da rota”, explicou o gestor.

Segundo Muangala, o projeto visava consolidar a ligação entre os dois países e apoiar a utilização do aeroporto internacional de Catumbela, recentemente certificado, mas “a ausência de incentivos inviabilizou a continuidade das operações”.

Gestão dos aeroportos e falta de concorrência

O CEO da Fly Angola considera que a gestão centralizada dos aeroportos pela empresa pública AIAS, E.P., impede a liberalização e a competitividade no sector.

“As tarifas aeroportuárias são definidas por decreto. O gestor aeroportuário não tem poder para negociar diretamente com as companhias. Isso torna o sistema rígido e pouco atrativo”, criticou.

Muangala defende que os aeroportos deveriam competir entre si para atrair operadores e passageiros, criando um ambiente de mercado mais saudável. “As companhias precisam de escolher onde operar com base em condições comerciais, e não em decisões políticas”, frisou.

Estado consciente, mas sem mudanças

O empresário afirma que o próprio Estado tem consciência das limitações impostas ao sector, lembrando que a Autoridade Reguladora da Concorrência realizou um estudo em 2020 que apontava os mesmos problemas. Contudo, nada foi implementado desde então.

“As reformas foram feitas apenas no papel. O regulamento permite o acesso do privado, mas quem o aplica é o próprio Estado, que também concorre. É uma contradição política”, observou.

Rentabilidade e desafios

Apesar dos constrangimentos, Muangala garante que a Fly Angola se mantém operacional e rentável, embora enfrente “enormes desafios”. “Já provámos que é possível rentabilizar o negócio, mas a rentabilidade do transporte aéreo é mínima com todas estas limitações”, reconheceu.

A companhia prevê aumentar a sua frota nos próximos meses, com a chegada de pelo menos duas novas aeronaves, mas o acesso ao crédito bancário continua a ser um obstáculo. “Os bancos exigem garantias elevadas e as taxas de juro são incompatíveis com o sector da aviação, que tem margens muito estreitas”, explicou.

Apelo à liberalização e à cooperação

Para o fundador da Fly Angola, o caminho passa pela liberalização real do mercado e pela cooperação entre operadores públicos e privados. “A TAAG deve ser vista como parceira e não como concorrente. O que defendemos é um mercado de complementaridade, onde cada um contribui para o crescimento do transporte aéreo nacional”, afirmou.

Muangala conclui que, num país com 39 milhões de habitantes e vasto território, a aviação deveria ser encarada como um motor estratégico da economia. “O transporte aéreo é um catalisador para o turismo, o investimento e o desenvolvimento. Enquanto o Estado continuar a ser árbitro e jogador, o sector não vai decolar”, finalizou.

Perfil

Belarnício Amício Ebo Muangala, natural do Leste da Europa e criado em Dundo, Lunda-Norte, é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo (Brasil). Possui pós-graduação em Negócios Internacionais e mestrado em Gestão da Aviação pela Emirates Aviation University, nos Emirados Árabes Unidos. Fundou a Fly Angola em 2018, empresa privada que opera no transporte aéreo doméstico e regional.

30/10/2025