Sonangol adia saída da distribuição de combustíveis em desrespeito à Lei da Concorrência

A data limite era outubro de 2024

Imagem: DR

A criação da Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) abriu um novo campo de actuação ao nível da regulação económica. O modelo económico marcado pela presença de empresas públicas, falta de independência das instituições e regulamentação restritiva trava o investimento.

A Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) obrigou a Sonangol a vender, até Outubro de 2024, a sua participação na sociedade TEMA – TotalEnergies, Marketing Angola, criada em 2019, em parceria com a TotalEnergies, para a exploração de postos de abastecimento de combustíveis. Um ano depois do prazo, tudo está na mesma, o que significa que os operadores envolvidos não estão a cumprir a legislação aplicável em Angola sobre concorrência empresarial. A Sonangol também já tinha assumido com a ARC, em 2021, a alienação das suas participações nos postos de abastecimento onde é parceira das outras concorrentes, nomeadamente na Sonangalp e Pumangol.

Todos estes processos não registaram avanços concretos e colocam em causa o funcionamento e a concorrência no mercado de abastecimento de combustíveis em Angola, de acordo com as deliberações publicadas pela ARC.

Em 2019, a Sonangol e a petrolífera francesa constituíram a TEMA, detida em 50,02% por subsidiárias da petrolífera nacional.

Em cumprimento dos requisitos legais sobre o controlo e concentração de empresas, foi solicitado um parecer à ARC, tendo esta autorizado a constituição da sociedade, mas impondo um conjunto de condicionalismos. Entre as diferentes acções indicadas pela ARC para garantir o cumprimento da lei, estava a “obrigação de a Sonangol dar início ao processo de desinvestimento, alienando 5% das suas acções a partir do terceiro ano da constituição da sociedade” (2021) e os restantes até ao quinto ano (2023).

Fonte da Sonangol admitiu ao Expansão , de forma não-oficial, que a petrolífera continua a procurar defender os interesses do País, numa referência à necessidade de reaver o investimento feito na TEMA e restantes subsidiárias que actuam no segmento de distribuição de combustíveis.

Ao longo do processo e depois da deliberação da ARC a criticar a excessiva concentração de interesses no segmento e a obrigar a petrolífera a alienar as participações, a Sonangol procurou obter autorização para estender a resolução do caso até 2027, mas esta pretensão não foi atendida.

“Após análise, a ARC indeferiu a solicitação da Sonangol, por considerar não estarem reunidos fundamentos bastantes que justifiquem a extensão do prazo de permanência desta na TEMA. E, em sequência, orientou que a Sonangol assegure a alienação total das participações sociais no período de Novembro de 2023 a Outubro de 2024”, refere a maior empresa do País no relatório e contas de 2024.

No último relatório de gestão da Sonangol, referente a 2024, não há qualquer referência ao cumprimento da lei e das deliberações da ARC.

O Expansão também procurou obter mais dados através da TotalEnergies, que solicitou o envio de uma carta endereçada ao PCA da TEMA, para que o pedido seja analisado internamente.

O que diz a legislação

Em 2019, o parecer da ARC constatou que com “a presente operação de concentração a Sonangol reforça o poder de mercado e consolida a posição dominante”.

“A avaliação quantitativa da actividade de retalho, por província, demonstra que em alguns mercados locais não existe capacidade de resposta” e a presente operação de concentração “reforça o monopólio relativo da Sonangol em 8 mercados locais (províncias)”, num segmento onde a petrolífera nacional detém o monopólio das actividades de logística primária e de refinação.

“A sobreposição e a integração aumentam a probabilidade de coordenação explícita ou tácita”, que impacta “negativamente no bem-estar dos consumidores, assim como potencia o exercício abusivo de poder de mercado, a coordenação entre as empresas e a redução da rivalidade”.

A ARC assinalou também que a posição dominante da Sonangol é também “facilitada pela existência de barreiras legais, regulatórias, económicas, tecnológicas e de integração da cadeia downstream dos produtos derivados do petróleo líquidos e gasosos, reduzindo-se, deste modo, a probabilidade de entrada de novos concorrentes com capacidade operacional e possibilidade de conferir concorrência efectiva ao mercado, em prejuízo da melhoria do ambiente de negócios, da eficiência dos mercados, da produtividade e da competitividade”.

A descrição da ARC sobre as barreiras legais, regulatórias e económicas remete para uma análise ao segmento de distribuição de combustíveis, onde ainda se registam vários constrangimentos. Por exemplo, a norma constante do n.º 2, do artigo 3.º, do Decreto Presidencial n.º 132/13, restringe, segundo a ARC, “o direito fundamental da livre iniciativa empresarial, ao limitar a actuação dos investidores externos no sector petrolífero, ficando o investidor estrangeiro obrigado a associar-se a um investidor nacional e sujeitando-se ao controlo daquele, contrariamente ao investidor nacional que pode, sem a necessidade de parceria, aceder ao mercado, sendo-lhe conferida uma vantagem discriminatória”.

A norma referida contraria “outros preceitos legais”, sublinha a ARC, que mostra vários exemplos (inclusive constitucionais), como é o caso da actual Lei do Investimento Privado, que revogou a necessidade de investidores estrangeiros firmarem parcerias obrigatórias com investidores nacionais.

“A norma restritiva de acesso ao mercado dos derivados do petróleo, de acordo com o princípio da organização e regulação das actividades económicas, não atende ao valores da sã concorrência”, considerou a ARC em 2019.

Todas estas questões, associadas a um ambiente marcado pelos elevados subsídios aos combustíveis (que retiram margem de manobra aos operadores) e à forte presença de entidades estatais, retraem os investidores com capacidade para actuar neste segmento e desvalorizam as participações detidas pela Sonangol, o que dificulta a sua alienação.

O caso entre a Sonangol, ARC e restantes operadoras de abastecimento de combustíveis também coloca em cima da mesa a capacidade das instituições do Estado fiscalizarem outras instituições públicas.

“A incapacidade da ARC para investigar as práticas restritivas da concorrência praticadas pelas empresas públicas, e aqui também nos referimos aos auxílios estatais, é um dos seus pontos fracos”, assinala Walter Moreira, docente universitário e advogado, que se prepara para publicar o livro “Introdução ao Direito da Concorrência”. O jurista entende também que a ARC deveria “trabalhar mais com as instituições de ensino superior para incluírem nos seus currículos académicos, ao nível da graduação ou pós-graduação, a disciplina da Concorrência”, até como forma de divulgação do tema e como estratégia para reforçar a formação de especialistas e técnicos angolanos.

“No que diz respeito aos pontos fortes da ARC, penso que são visíveis justamente no controlo das operações de concentração de empresas. Com a sua criação, em 2019, todos os processos de fusão e aquisição de empresas cujo volume de negócios crie ou reforce uma quota igual ou superior a 30% e inferior a 50% no mercado nacional, devem necessariamente passar pelo seu crivo. Passou-se, igualmente, a ter um maior controlo das práticas colectivas proibidas, nomeadamente sobre os acordos restritivos da concorrência, práticas concertadas e decisões ou deliberações de associações lesivas à concorrência”, considera Walter Moreira.

Expansão , 22/10/2025