Os ajustes directos voltaram a liderar a contratação pública, com gestores públicos a esconderem novamente valores dos concursos e a falharem na comunicação de abertura de procedimentos concursais, violando a Lei dos Contratos Públicos, que obriga à divulgação de abertura de concursos.
Os ajustes directos dispararam 880% para 1,6 biliões Kz nos primeiros seis meses do ano, comparativamente ao I semestre do ano passado, representando 95% dos contratos assinados por servidores públicos e comunicados ou detectados pelo Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP), de acordo com cálculos do Expansão com base num relatório da instituição sobre o I semestre.
Em 2024, entre Janeiro a Junho, os ajustes directos representaram apenas 162 mil milhões Kz, equivalentes a 24% dos 667 mil milhões Kz registados pelo SNCP, período em que o Procedimento Dinâmico Electrónico foi o que registou mais valores, um total de 350 mil milhões Kz.
Os ajustes directos voltam assim à liderança de outros anos, o que segundo especialistas contribue para pouca transparência na contratação e permite irregularidades.
Dos concursos comunicados ou identificados pelo Serviço Nacional da Contratação Pública, constata-se uma redução no número de procedimentos que saiu dos 4.385 no I semestre do ano passado, para 1.460 nos primeiros seis meses deste ano, uma redçução de67% . Esta redução das comunicações de abertura de procedimentos tem sido apontada pelo SNCP como um dos males da contratação pública. Em termos de procedimentos contratualizados, os ajustes directos também assumem a lideram, com 661 procedimentos, seguido pelos concursos limitados por convite, com 393. Os concursos públicos, tidos por a melhor forma de contratação, foram a terceira opção dos servidores públicos com 227 procedimentos.
Dos 1.460 procedimentos registados no I semestre, os ministérios foram os órgãos com maior registo, com um peso de 64% (930 procedimentos), mantendo a tendência do mesmo período do ano passado. O mesmo aconteceu com os contratos celebrados, onde assumiram 88%, do total de 127 contratos rubricados.
Quanto ao objecto de contrato, as aquisições de serviços com 680 procedimentos lideram, seguido das aquisições de bens móveis, com 563 procedimentos.
Gestores escondem procedimentos
Os gestores públicos continuam a violar a Lei dos Contratos Públicos que obriga à comunicação de abertura de procedimentos aos Serviço Nacional da Contratação Pública, assim como a publicação em meios de comunicação de grande tiragem.
Apesar de no ano passado haver alguma melhoria, devido a um ofício do Ministério das Finanças, o SNCP admite que no I semestre deste ano, a comunicação feita não cobre a totalidade das compras públicas deste período.
“Não obstante a obrigatoriedade da comunicação e publicação dos procedimentos, admite-se que a informação partilhada ainda não cobre o total das compras públicas do país, devido ao nível de incumprimento de comunicação por parte das EPC”, lê-se no Boletim Estatístico da Contratação Pública Angola, referente aos primeiros seis meses do ano.
O SNCP alerta também para a falta de comunicação do valor dos contratos. Ou seja, os procedimentos são abertos sem previsão de custos. E comparativamente aos primeiros seis meses no ano passado, no I semestre de 2025 os procedimentos com valor contratual inscrito caíram 97%.
Só para se ter uma ideia, no I semestre deste ano, de acordo com cálculos do Expansão com base nos relatórios de execução orçamental, os órgãos do Estado gastaram 4,5 biliões Kz em despesas com bens (1,0 biliões Kz), serviços (804,5 mil milhões Kz) e investimentos (quase 2,7 biliões). Contas feitas, o SNCP apenas teve acesso a 37% dos contratos que consubstanciaram estes gastos.
A possibilidade de não serem comunicadas ao SNCP propostas para celebração de contratos de valor igual ou superior a 182 milhões Kz abre espaço para que não se conheça quanto os órgãos do Estado – ministérios, governos provinciais, institutos, entre outros – gastam realmente com a contratação pública e a quem compram, segundo especialistas.
“Esta possibilidade é uma porta aberta para os gestores e é permissiva a irregularidades. Existindo uma instituição que vela pela contratação pública, os gestores deveriam ser obrigados a reportar todos os contratos, independentemente do valor dos mesmos”, disse o consultor Pedro Santos.
Para este académico, a contratação pública deve ser transparente e a acessível a um ‘clique’, para melhor controlo dos gastos públicos. “Os dados da contratação pública devem estar disponíveis em sites dos órgãos responsáveis por estes serviços para qualquer cidadão interessado, caso queira, consultar. Esta abertura permitiria saber quanto foi realmente gasto, o que não acontece. Pouco se sabe onde se gasta de facto o dinheiro público”, disse.
Uma vez que a Lei dos Contratos Públicos não obriga à comunicação ao SNCP de adjudicações de propostas para celebração de contratos de valor igual ou superior a 182 milhões Kz, o jurista Alves Silva, defende que é necessária uma revisão à lei.
“O facto de a lei não obrigar, não significa que os servidores públicos não comuniquem. Mas para não ficar à mercê da vontade dos servidores públicos, a lei devia mesmo obrigar a esta comunicação. É altura de proceder à revisão da lei para que o SNCP consiga estar mais a par da contratação pública que é feita”, defendeu.
A falta e a qualidade da informação fornecida pelas entidades públicas contratantes envolvidas nestes processos é também apontada pelo SNCP como uma das causas para o baixo registo de procedimentos, apesar de a lei impor que “a decisão de contratar é obrigatoriamente comunicada pela entidade pública contratante ao órgão responsável pela regulação e supervisão da contratação pública”, no caso o Serviço Nacional da Contratação Pública.
Expansão , 09/12/2025